sábado, 27 de novembro de 2010

Reflexões sobre o racismo... na Malhação

Decidi ligar a tv para ver a situação do Rio, a qual não estava acompanhando pela tv, só pelo twitter e pelos jornais online.

Coloquei na Globo primeiro, não me julguem (hahaha, como seu me importasse realmente! Informação adicional: assisto BBB!), mas o que passava era Malhação.

Na tela, uma garota levemente andrógina, cabelos curtos, alargadores nas orelhas e um garoto negro, com camisa polo (não uma camiseta, porque a intenção era passar status social), óculos, falando super corretamente, com jeito de intelectual/nerd. Pros pensantes não preciso nem analisar cada um desses fatores que compõe o personagem.

Enfim, eles estavam num diálogo sobre racismo. O rapaz declarou que nunca em sua vida tinha sentido preconceito por parte dos outros, nunca havia se sentido discriminado. Incrédula, a garota insiste na pergunta, que recebe mais uma vez a negativa junto da opinião de que o preconceito no Brasil era causa social e não racial.

A garota branca discorda da afirmação e pergunta se só por ser de classe média ele achava/sentia estar a salvo desse tipo de situação. No que o rapaz concorda, ela propõe que faça-se uma experiência, mas não sabe ainda qual será.

Começa outra cena, onde outros personagens discutem o racismo: uma mãe branca e seu filho negro e o tio negro e seu sobrinho branco, que em nada parece-se com o pai. Fala-se sobre a mãe precisar afirmar que aquele é seu filho e não uma criança adotada (meu caso tb!) ou sobre a pretensa traição da mãe branca de filho branco em relação ao esposo negro.

Caralho.

Não digo que perguntar sobre paternidade para alguém negro que tem filho branco, ou vice versa, seja racismo. Não mesmo. Mas é de uma falta de educação palpável insistir na pergunta depois de já haver recebido uma resposta, ou então aceitá-la com incredulidade ofensiva. Na verdade, acho que ninguém tem que perguntar pra ninguém se "vc é mesmo mãe dela" ou se "ele é realmente seu filho. Não é de bom tom. Né? Mesmo que fossem adotados seriam MESMO, REALMENTE filhos da pessoa, independentemente da biologia.

Lembro claramente na minha infância as pessoas não acreditando que eu era filha da minha mãe. Lembro dela se emputecendo. Na infância até bate aquela dúvida depois de ouvir tantas perguntas, mas sou meu pai esculpida em carrara (porque cuspido e escarrado é ele).

Hoje, passo por uma inversão que já previ antes de pensar em ter filhos. Caso o pai fosse branco e meu rebento puxasse a ele nos cabelos e cor de pele, invariavelmente eu ouviria essa pergunta.

E tchanããããã, aconteceu. Tenho uma filha com a pele mais clara que a minha, os cabelos menos cacheados e já cansei de responder que sim, ela é REALMENTE minha filha. E olha que ela sou eu esculpida em carrara (porque em relação a ela, cuspida e escarrada sou eu). Sem contar as vezes que passei por babá dela (nota mental: nunca usar uma peça de roupa branca ao sair com minha filha).

Continua a primeira cena. Os personagens, a andrógina e o cdf, estão parados do lado da rua oposto a um ponto de ônibus lotado. Ela pergunta se ele quer desistir. A experiência está pronta para começar. Ele só precisa chegar correndo no ponto de ônibus momentos depois que ela chegasse.

Ao chegar no ponto, a menina pergunta para uma mulher que lá estava se ela havia visto que um cara tinha tentado roubar a bolsa dela. Diz que ele estava quase conseguindo, mas que acabou indo embora (uma parada meio sem pé nem cabeça).

Começa então um burburinho envolvendo os outros félas que estavam parados no ponto, e aí chega correndo o pobre negrinho quatro zóio cdf. A mulher olha para ele e berra: "ali! Ladrão!" e uma turba começa a correr atrás do cdfdp para, quem sabe, linchá-lo, enquanto a andrógina, no alto de sua interpretação, tapa a boca em sinal de "putz, fodeu". Fim do episódio. Fiquei a fim de ver a continuação.

Bem, descrito foi. Nível Globo de exposição de temas importantes. O racismo transformado no assunto da vez, as sofríveis interpretações dos iniciantes na emissora, tudo aquilo que a gente já conhece. Mas senti importância nesse fato. Não saiu tão mal assim, existiu!, e essa discussão é válida. Tudo isso é um saco, e um saco putamente complexo de explicar, e que por mais que explicado nunca se fará compreender sem a experiência - que também não pode ser encomendada. Porém, não justifica a falta de debate sobre o assunto.

Recomendo fortemente a série sobre o racismo do Alex Castro (inclusive os comentários, aliás, senta e chora de tristeza lendo os comentários):

http://www.interney.net/blogs/lll/2008/04/15/ser_da_raca_certa_parte_i_de_iv/
http://www.interney.net/blogs/lll/2008/04/16/ser_da_raca_certa_parte_ii_de_iv/
http://www.interney.net/blogs/lll/2008/04/17/ser_da_raca_certa_iii_de_iv/
http://www.interney.net/blogs/lll/2008/04/18/ser_da_raca_certa_iv_de_iv/
http://www.interney.net/blogs/lll/2008/04/10/usos_do_nego/
http://www.interney.net/blogs/lll/2008/04/14/quem_sabe_da_ofensa_e_o_ofendido/

E aqui uma lista com vários outros textos (ótimos) que ele escreveu sobre racismo: http://www.interney.net/blogs/lll/?cat=2280

Em tempo: o Alex Castro é da "raça certa", o que faz com que seja uma análise hors concurs.

Beijo da magra!

2 comentários: