terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mazelinha ou mazelão?

Aí, eu olho o barbudo lá embaixo, agachado, rasgando sacos de lixo, revirando, procurando por comida. Tendo a busca mal sucedida, seus olhos correm à busca de outros possíveis sacos pela rua suja e úmida do centro da cidade.

E eu aqui em cima, seca e alimentada, sofrendo porque... bem, pelos meus porquês.

E essa visão do homem barbeludo* acende minha mentezinha com questionamentos prá lá de louváveis, ou melhor, sejamos sinceros, severas acusações disfarçadas, do tipo:

- "Não é fútil estar aí a refletir sobre isso enquanto aquele pobre homem está numa situação limite?"

- "Estás aí a pensar em {insira aqui sua mazela}, enquanto a preocupação principal desse cara é achar algo para pôr à boca e que seja de comer. Não seria você uma putazinha sem coração?".

(O negócio aí já começou a degringolar...)

- "Não é egoísmo, egocentrismo de sua parte que você gaste tempo remoendo suas mazelinhas enquanto o mundo está lotado de um milhão daquelas caras, mulheres, velhos, pior ainda, crianças, bla bla bla, você é um lixo de pessoa, bla bla bla, superficialidades....".

Respirada profunda. Calma aí. Calma aí. CALMA AÍ! Quer saber, foda-se. Minha essência, moldada por o que quer que tenha sido, por qualquer que tenha sido a coisa, por todas as coisas juntas, fica muito mais próxima a de uma animal. Não sou santa, nem mártir ou anjo, sou uma mulher com suas necessidades, sou bicho com leve consciência. Quero as coisas que quero e preciso, e a tristeza que sinto naquele momento por todos os homens do mundo não faz uma transformação tão intensa em meu ser, não me modifica a ponto de eclipsar o que é instintivo, vivo e quente. As necessidades básicas.

Tenho que ter vergonha disso? De não ter ascendido a esse estágio puro de evolução? De ser mais um dos animais da Terra? Não tenho vergonha não. Foda-se.

Não adianta esses pensamentos a condenar, que trazem o sofrimento temporário - temporário, porque convenhamos, do que adianta chicotear-me com essas palavras enquanto não abdicar de minha "vidinha"? Enquanto não engajar-me na resolução do problema, junto a ongs ou não, puta merda?! É temporário porque depois que deixo a janela volto para minha vida confortável, sem nunca ter saído dela a não ser em pensamento.

Simplificando ao máximo, não abdicarei do meu modo de viver. Não vou abrir mão da vida como a conheço. Tampouco sairei descalça por aí para sentir na pele o que vi.

Então, foda-se, deixe-me pensar nas minhas mazelinhas, deixe-me ser eu e não um anjo. Sem a perfeição e nem a pretensão dela. Sou um bicho que não aspira a ser anjo. Não me interessa a beatitude. Gosto da carne (e de carne, vegans!), da vida, da experiência terrena.

Deixar pra ser anjo quando morrer. Que tal?

*barbeludo: vocábulo criado pela Sofia aos três anos e que classificava homens com barba e cabelo.  Che Guevara, Papai Noel e o pirata Barba Negra são "barbeludos" famosos.

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